segunda-feira, 4 de junho de 2018

Coluna Ensaio Geral: Gilvan Do Kennedy - Um Grande Boêmio



      Aos 72 anos de idade meu grande amigo Gilvan Cordeiro nos deixou.Quando fui ao seu velório, vendo o amigo ali inerte, semblante tranquilo, depois de anos de sofrimentos, devido à amputação das duas pernas em consequência da diabetes.

      Começou passar na minha mente alguns momentos bons que tivemos- as grandes farras, as discussões, pois ele era cabeça dura e eu também.

      Viveu esta vida como ela deve ser vivida, bebeu todas, namorou todas, se divertiu... até que a doença começou cobrar o seu preço. Teve ao seu lado uma grande companheira (GISA), que soube aquentar as presepadas dele, porém sempre teve a responsabilidade como dono de casa, isto era um fator positivo na sua vida. Gilvan era altamente cumpridor dos seus deveres, um pouco mulherengo, porém cumpridor dos seus deveres.

      Comecei a frequentar o bar de Gilvan, quando era na Rua José do Amaral, comíamos aos domingos a melhor buchada feita em nossa cidade, até hoje ninguém superou. Quando ele saiu do bar da José do Amaral e foi ser dono do Kennedy, levou toda sua freguesia para o novo ambiente, e a buchada foi junta.

      Por muitos anos o Kennedy foi o meu bar preferido, quando sentávamos na varanda ou na mesa do janelão tínhamos a visão total do nosso comércio e também era um lugar reservado.

      Ainda hoje ninguém faz um frango a passarinho frito na tacha como o que ele fazia- aquele molho ao vinagrete regado ao vinho tinto era arretado de bom. A carne de sol assada na brasa acompanhada do vinagrete e daquele arroz soltinho era ótima.

      Um dia chego e o encontro comendo um pirão de ovo - deu uma vontade enorme de experimentar - já tinha ouvido falar no tal pirão - porém achava que não era lá grande coisa.Pedi um prato e comecei a comer, pense numa comida gostosa, pedi a receita e a partir dai sempre que tenho vontade faço um verdadeiro PIRÃO DE OVO. Outra coisa que aprendi com ele foi o molho a vinagrete, que ao invés de vinagre coloco vinho tinto e azeite de oliva, fica muito bom. Certa feita num dia de domingo chego, e ele vai logo dizendo, tenho uma supressa, vou fazer um PIRÃO DE SURURU DE CAPOTE NO CAPOTE. Com pouco tempo chega ele com uma das comidas mais gostosa que eu já comi na minha vida, entramos na cachaça e depois lavamos com cerveja e aquele momento ficou na minha mente até hoje.

      Todo final de ano eu fazia a confraternização da minha loja no Kennedy, e realmente era um momento extraordinário, pois ele não tinha pena de comida, botava comida pra valer e a alegria de todos era contagiante, depois que ele teve de sair do ramo devido a perda das pernas, nunca mais a nossa confraternização foi à mesma.

      Muitas vezes aos domingos quando ele fechava o Kennedy, nós íamos ao bar da sua irmã (Penha), lá ele entrava no Domus e eu tomava um copo de vinho jurubeba e depois lavava com cerveja. Penha já tinha preparado uma boa MAXIXADA, e neste batido íamos até o anoitecer do domingo. Sem esquecer a companhia do nosso saudoso Hélio Belo.

      A sua casa era uma casa farta, muita comida, muita bebida, lá não existia mesquinharia, era tudo muito - muitas vezes ele dizia vai hoje almoçar lá em casa, quando chegava estava Ivo de Bia e outros amigos e haja tira-gosto e haja comida e bebida, era um dia de domingo supimpa.

      Certa feita num dia de domingo no Kennedy, uma grande farra com mais de oito bons bebedores, chega Docinho já meio tungado “todos nós sabemos que Docinho tungado era um porre”, pois bem, tivemos de aturar Docinho, ai pedimos um fígado acebolado ao molho, quando o fígado chegou, não estava com um bom aspecto, pois estava verde e espumando, ou seja, já estava passado, ninguém tocou no fígado, porém Docinho entrou abaixado, e comeu todo fígado, não sei qual foi à consequência no outro dia.

      Gilvan tinha um defeito horrível, ele não aceitava reclamação, e o pessoal sabendo disto, não reclamava, quando algo saia errado, porém comigo não tinha boquinha não, se tivesse errado eu dizia, então nós discutíamos, a maioria das vezes era porque a cerveja estava encorpada e eu sempre tive um paladar extraordinário para saber se ele estava encorpado ou não, outras vezes a cerveja não estava bem gelada...

      Uma eterna discussão nossa que se arrastou até ele deixar o bar, foi quanto à mudança de uma geladeira velha que ele tinha para gelar as cervejas por um freezer de cerveja, pois bem, ele relutava de colocar este freezer dizendo que iria consumir muita energia. Chego para tomar uma cervejinha e ao colocar no copo noto que ela não estava bem gelada, então resolvi dar um cheque mate nele, e disse – Gilvan coloque a freezer e a energia que ela consumir a mais eu pago, se o problema de você não colocar a freezer é o consumo de energia, este o problema esta resolvido. Mesmo assim ele não colocou, era cabeça dura.

      Eu sempre disse que Gilvan começou morrer,quando perdeu as duas pernas e passou a viver numa cadeira de rodas, pois um homem que tinha uma vida ativa como ele tinha, ficar preso a uma cadeira de rodas e dentro de uma casa, aquilo foi o início do fim.

      Neste São João vou sentir muito a sua falta, pois ele todo ano fazia um delicioso quentão e mandava uma garrafa para mim, mesmo depois de perder as duas pernas ele continuou a fazer o quentão.

      Este relato que acabo de fazer é apenas uma pequena parte do que nós vivemos dentro da boemia, perdi um grande amigo.

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