Um dos coordenadores no Brasil do desafio virtual
Baleia Azul — que induz crianças e adolescentes ao suicídio — foi preso ontem
pela Polícia Civil em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Matheus Silva, de 23
anos, confessou ser “curador” de pelo menos 30 jovens. Na operação, batizada de
Aquarius, a polícia cumpriu 24 mandados de busca e apreensão em Minas Gerais,
Rio de Janeiro, Amazonas, Pará, Paraíba, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São
Paulo e Sergipe, todos relacionados ao inquérito que investiga o jogo.
A delegada titular da Delegacia de Repressão aos Crimes
de Informática (DRCI), responsável pela operação, Daniela Terra, disse que as
investigações começaram com o objetivo de avaliar a existência do desafio e
prevenir mortes. “Essa investigação começou de forma preventiva. Várias pessoas
vieram procurar a DRCI mutiladas, vários adolescentes”, contou, em entrevista
coletiva.
Os criminosos utilizam perfis falsos no Facebook para
atrair crianças e adolescentes vulneráveis. Chamados de curadores, eles propõem
uma sequência de 50 desafios, incluindo automutilações, assistir a filmes de
terror e ouvir músicas depressivas até chegar ao último: suicídio. Aqueles que
pretendem abandonar o jogo sem cumprir os desafios recebem ameaças.
“Nós já tínhamos materialidade suficiente para pedir a
prisão dele. Ele já confessou que era curador, que tinha influenciado 30
vítimas, mas temos nos autos cerca de 40 vítimas”, informou a delegada
assistente da DRCI, Fernanda Fernandes.
Setenta e dois policiais estão envolvidos na Operação
Aquarius. Existem 24 equipes de agentes em 20 municípios do país com pelo menos
três agentes em cada uma. De acordo com a polícia, houve apreensões de
celulares e computadores por todo o Brasil e 15 vítimas foram identificadas.
Daniela Terra chamou a atenção para a responsabilidade
dos pais e lembrou que a idade mínima para cadastro no Facebook é de 13 anos.
“É preciso avaliar se crianças de 8 a 13 anos têm maturidade suficiente para
ter um perfil numa rede social, que fique de alerta para os pais”, apontou.
Induzir, instigar ou auxiliar suicídio é crime, punido
no Brasil com reclusão de dois a seis anos se a morte se consumar ou de um a
três anos se da tentativa resultar lesão corporal grave. A pena pode ser
duplicada caso o crime seja praticado por motivo egoístico, a vítima for menor
de idade ou tiver a capacidade de resistência diminuída, por qualquer motivo.
“Nos crimes contra a vida, aí se enquadra a incitação
ao suicídio. O fato de ser cibernético não constitui agravante. Mas já existem
sugestões de aumento da pena no caso de crimes por meios tecnológicos, como o
desafio da Baleia Azul”, explica Alessandra Borelli, especialista em direito
digital.
A polícia reclama da falta de colaboração de empresas
como o Google e o Facebook e informou que medidas legais pelo não cumprimento
de determinações judiciais serão tomadas, incluindo a aplicação de multas. “Até
o momento, são 10 curadores investigados, mas poderia ser uma quantidade maior
caso as referidas redes sociais e empresas de tecnologia tivessem cumprido as
determinações oriundas da polícia judiciária e do próprio Poder Judiciário”,
esclareceu Fernanda Fernandes.
Alessandra Borelli faz coro: “É preciso colocar na
balança o que é mais importante: a privacidade ou a vida? O Estatuto da Criança
e do Adolescente, no artigo 70, diz que é dever de todos prevenir a ocorrência
de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente. Não existe lei
que endosse o descumprimento judicial dessas empresas, elas agem em
desconformidade com as leis brasileiras”.
O jogo teria começado em 2013, na Rússia, deixando mais
de 100 mortos. A propagação para outros países se deu por meio das redes
sociais. Um dos criadores, o russo Philipp Budekin, de 21 anos, foi preso no
ano passado, acusado de incitar o suicídio de pelo menos 16 jovens.
*Estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa