Especialistas alertam para aumento do fenômeno
e avisam: “quanto antes se detectar, mais fácil prevenir”
No Brasil, estima-se que haja uma média de 25 suicídios por dia.
Uma tentativa aumenta em 50% a chance de uma segunda investida. E mais de 90%
dos casos estão ligados a problemas de saúde mental. Como se fala muito pouco
sobre o assunto os indícios do suicídio, considerado um tabu social,
são mal conhecidos.
"Entre 1980 e 2010, oficialmente 195.607
pessoas se suicidaram no Brasil, o equivalente a três bombas atômicas como a de
Hiroshima", contabiliza o o sociólogo Gláucio Soraes, professor e
pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ, em
artigo publicado na Revista Inteligência em edição de junho de 2012. “Ainda que
condenado por muitas religiões, produto de desvios tenebrosos da nossa alma, o
suicídio recebe menos atenção do que os eventos catastróficos”.
A única forma de evitá-lo é adotar estratégias de prevenção e,
para isso, é preciso conhecer os sinais.
“Estão
envolvidos em uma tentativa de suicídio os fatores predisponentes, como
genética, psiquismo do indivíduo, círculo social, ambiente familiar e até
religião. E os precipitantes, aqueles fatores que motivaram o ato”, diz José Manoel Bertolote, autor
do livro “Suicídio e sua Prevenção” (Editora Unesp) e especialista em
psiquiatria da Unesp em Botucatu.
Mas 90% dos casos de suicídio estão atrelados
a algum problema de saúde mental, como depressão, transtornos de personalidade,
alcoolismo, abuso de drogas, bipolaridade ou esquizofrenia, entre outros.
“Quem fala não faz” é um mito comum sobre o suicídio. A maioria dos suicidas dá sinais claros
de que vai se matar. “São praticamente anúncios. Normalmente os mais jovens são
mais diretos. Eles verbalizam claramente, ou avisam pelas redes sociais, por
email. Já os mais idosos são mais sutis. Eles se despedem distribuindo posses”,
diz Bertolote.
Há também os sinais indiretos, que
precisam ser decodificados. Um tipo de sinal, neste caso, é começar a colocar a
vida em risco, como abusar de álcool e drogas, dirigir de forma irresponsável,
brincar com armas de fogos perigosas. São os chamados suicidas passivos.
Para Karen Scavacini, gestalt terapeuta e mestre em saúde
pública de promoção de saúde mental e prevenção ao suicídio, outro mito é
relacionado ao tabu que cerca o tema: Perguntar se a pessoa pensa em
se suicidar não a induzirá ao ato. Ao contrário, falar sobre o assunto pode
salvar muitas vidas. “Se você ficou desconfiado diante dos
sinais, pergunte a ela: 'você está pensando em se matar ? “aça então um
encaminhamento desta pessoa. Fale com seus familiares. Não precisa ser só para
o psicólogo ou para o psiquiatra. ”, aconselha Karen.
Um estudo realizado
pela Unicamp detectou que, no Brasil, 17 de 100 pessoas pensam seriamente em se
matar. Com o silêncio que cerca o tema, a abordagem do suicídio como problema
de saúde pública ainda engatinha. “Não existe no País saúde pública que dê
conta deste fenômeno. A Estratégia Nacional de Prevenção continua até hoje no
papel. O médico da unidade básica deveria ser o primeiro a detectar indícios”,
diz.
Na Europa, as taxas de suicídio estão
diminuindo porque a prevenção funciona. Já nos Estados Unidos foi lançada a
campanha “Amigo bravo é melhor que amigo morto”, para incentivar os jovens a
não manterem segredo e contarem o que sabem sobre as intenções dos colegas. “No
Brasil, simplesmente não se fala no assunto”, completa Karen.
Mudança brusca
A voluntária do CVV Adriana Rizzo, que dedica quatro horas por
semana para ouvir e aconselhar pessoas que pensam em se matar, diz que mudanças bruscas de comportamento são as principais pistas que o
suicida dá. “Eram pessoas muito tímidas e, do nada, ficam muito
agitadas. Também acontece uma retirada da vida social, um isolamento, ou abuso
de álcool e drogas“, alerta.
Além da mudança de personalidade, ligue o alerta quando notar grande alteração alimentar ou de sono,
sentimento de desvalor e desesperança. Pessoas que tiveram perdas recentes, como mortes,
divórcio, histórico familiar de suicídio ou que tiveram diagnóstico de doença
grave, fazem parte do grupo de risco.
O quanto antes se detectar, mais fácil
prevenir. “Bem como intervir em crises”, conta a voluntária Adriana. “O nosso
trabalho é oferecer atenção e conversar com a pessoa sobre um assunto que ela
quer dividir e não consegue, pois se sente julgada, criticada. Ao desabafar e
compartilhar o que está lhe afligindo, ela se sente valorizada. A gente procura
a entender por que ela quer desistir de viver. Para o copo não transbordar, ela
precisa esvaziar o que está sentindo antes”.
Ambivalência
Nem todo suicida quer morrer, apenas quer mudar a situação. Todo suicida é ambivalente: uma hora ele quer, na outra não. De
acordo com Bertolote, isso explica porque muitas vezes, quando o suicida fez
uso de um método letal e está à beira da morte, bate o desespero e ele se
arrepende.
Tanto para quem convive com um suicida em potencial ativo, que
toma objetivamente a decisão, quanto para quem vive com um passivo, que adota
comportamento abusivo em busca de um "acidente", o conselho mais
importante é não ignorar qualquer sinal. Leve a sério as ameaças e tome
providências para ajudar a pessoa em risco. “O tratamento dos
transtornos mentais é a primeira intervenção. Isso porque a maioria dos
suicidas têm um transtorno como depressão, alcoolismo ou esses dois males
associados”, diz Bertolote.